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IRIB entrevista o arquiteto Ruy Ohtake no programa Cartório, o parceiro amigo


Em entrevista à TV Justiça, o arquiteto e urbanista Ruy Ohtake fala sobre inclusão social

O arquiteto e urbanista Ruy Ohtake, formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP – FAU, foi entrevistado pelo registrador Ruy Rebello Pinho, no programa Cartório, o parceiro amigo, da Anoreg-BR, exibido pela TV Justiça no dia 22 de agosto e reapresentado nos dias 24 e 27.

No programa, o arquiteto falou sobre o projeto de inclusão social interdisciplinar que está sendo realizado na comunidade de Heliópolis. Confira.

Ruy Pinho – O que o senhor achou de falar sobre a inclusão social num programa que trata especificamente de temas referentes a cartórios?

Ruy Ohtake
– Quando recebi a ligação não entendi a relação, mas de qualquer forma retornei. Depois, vi que o meu trabalho com a comunidade de Heliópolis tinha alguma ligação com o tema, pois, um dos problemas fundamentais da favela é o reconhecimento da moradia legal. Ou seja, a favela é uma invasão urbana, portanto, todo o seu nicho é ilegal.

As favelas estão se consolidando e a situação brasileira não conseguiu fazer com que os moradores fossem morar em habitações melhores. Sempre que os moradores pensam em comprar qualquer coisa, não conseguem porque não possuem endereço, portanto, não são cidadãos. Esse reconhecimento legal através de algum documento de posse é fundamental para se dar o primeiro passo para a inclusão social.

Ruy Pinho – Qual é exatamente o trabalho de inclusão social que o senhor está fazendo na comunidade de Heliópolis?

Ruy Ohtake
– Quando as lideranças de Heliópolis me convidaram, a idéia era tornar a favela menos feia. Esse, para mim, era um convite irrecusável. Fui até lá, fiz contatos com todas as ruelas, conheci bem a favela, conversei com cada morador e achei que talvez eu pudesse contribuir com alguma coisa.

Após algumas reuniões, ficou muito claro que a soma de uma série de condições são fundamentais para que na favela, o bairro fosse incluído como bairro de São Paulo, população da cidade. Saneamento básico é muito importante para o começo do processo.

Esse reconhecimento da moradia através de algum documento de posse é também fundamental para que eles se sintam moradores de algum lugar de São Paulo.

Pude contribuir mais na parte cultural. Obtivemos a ajuda de empresas amigas, que nos deram algumas contribuições, mas sempre com a condição de que houvesse a participação da comunidade.

Ruy Pinho – A participação da comunidade é uma regra?

Ruy Ohtake
– É uma regra. O que me incentivou muito a fazer esse trabalho voluntário foi a solidariedade que existe na favela de Heliópolis. Como as casas são muito pequenas, as ruelas passam a ser um complemento da casa, os espaços públicos são utilizados para o convívio entre todos os moradores, e é exatamente aí que surge a solidariedade. É uma coisa muito bonita.

Ruy Pinho – Há necessidade da comunidade ser bonita?

Ruy Ohtake
– Sim. O professor Antônio Cândido, grande crítico literário da nossa literatura, quando viu as fotografias de Heliópolis, e abaixo delas um colorido do projeto, disse: “o colorido faz a diferença”.

Ruy Pinho – Vendo as fotos, me lembrei do bairro La Boca de Buenos Aires, porque é muito colorida, ficaria mais harmônica. Como a comunidade escolheu o projeto estético?

Ruy Ohtake
– As nossas cidades históricas, Olinda, Parati, Ouro Preto, são coloridas, ou seja, junto com o branco está o vermelho e o verde, que são cores fortes e que participam do colorido da cidade.

Nos últimos cem anos, as nossas cidades foram perdendo a cor. Na minha própria arquitetura faço questão da presença da cor na cidade. Ao propor o colorido da fachada e querendo a participação comunitária, fiz o seguinte: coloquei 12 cores em uma placa e mostrei a 278 moradores da primeira faixa da pintura, e cada um escolheu a cor que queria que predominasse na fachada. De posse das cores preferenciais, fiz uma composição cromática. O critério para essa composição foi utilizar cores fortes que mostrassem um bairro difícil e uma cromática reivindicadora.

Ruy Pinho – Como foi o desenvolvimento do processo depois que os moradores escolheram as cores?

Ruy Ohtake
– Fotografei casa por casa, todas as ruelas e, junto com as cores que eles escolheram, fiz a composição cromática. Acho que ficou bonito.

Lembro-me muito do filme Cidade de Deus, que mostra a violência na favela. Eu queria mostrar, junto com o colorido que cada um escolheu, a luta de todos para o reconhecimento da cidadania. Quando terminei o trabalho, levei para a comunidade e todos gostaram, exceto quatro moradores que não haviam escolhido cores porque queriam que as suas fachadas permanecessem do jeito que estava. Tudo bem, respeitamos as opiniões.

Os trabalhos de pintura começaram há três semanas, e dos quatro moradores que não aderiram, três já me procuraram dizendo que gostariam de pintar também, porque viram e gostaram do resultado. Isso é muito entusiasmador.

É muito importante que nós, não só arquitetos, trabalhemos com o entusiasmo da comunidade. É fundamental.

A definição de Heliópolis em grego: polis é cidade e helios significa sol, ou seja, a cidade do sol.

Ruy Pinho – A comunidade de Heliópolis já está instalada há muito tempo, já está consolidada. Não sei exatamente como está o processo de regularização em Heliópolis, mas se for o caso de usucapião coletiva, isso significa que cada um tem uma parcela ideal, a comunidade ficará na pendência de uma posterior urbanização que modifique o que está ali estabelecido. Em Heliópolis, é possível fazer uma urbanização? A comunidade se interessa por essa mudança?

Ruy Ohtake
– Essa é uma questão muito complexa, mas que tem que ser enfrentada. Sendo Heliópolis uma invasão formada na década de 60, não há regra urbanística. Há, sim, a regra da sobrevivência. As casas ocuparam todo o espaço que foi possível, deixando livres apenas as ruelas, não existindo recuo de fundos, de frente e nem espaço verde.

A urbanização é desejável desde que as pessoas não precisem sair de lá, ou seja, se o processo de urbanização tem a flexibilidade de permitir que uma pessoa more em uma casa e, depois da reurbanização, alguns lugares sofram alguma verticalização, acho que não teria problema.

Ruy Pinho – Juridicamente isso é possível, se a área era privada, agora já é dos moradores graças à usucapião. Além disso, o Estatuto da Cidade criou a ZEIS, Zona Especial de Interesse Social, destinada à recuperação urbanística e regularização fundiária, que pode ser utilizada para impedir que uma nova urbanização expulse a comunidade dessas áreas.

Ruy Ohtake
– Essa formatação fundiária talvez seja interessante porque garante que a população não seja expulsa pela valorização imobiliária.

O mais alarmante na comunidade de Heliópolis, e também em outras favelas, são os casebres construídos próximos aos córregos. Primeiro, é um perigo muito grande, e, segundo, há uma insalubridade total. Essa é a parte mais importante da urbanização desejável.

Ruy Pinho – O senhor acha que há um sentimento de inclusão maior com a comunidade colorida?

Ruy Ohtake
– Quando os trabalhos de pintura começaram a euforia da comunidade foi contagiante. Moro num flat e um dia estava trabalhando nesse projeto de Heliópolis e a camareira, que também estava trabalhando, vendo o projeto, me perguntou se eu estava fazendo algum trabalho em Heliópolis. Eu respondi que sim e, logo em seguida, perguntei a ela se morava lá, ela disse que não, que morava no bairro do Ipiranga. Então, me perguntou que tipo de trabalho eu estava realizando na comunidade, eu mostrei e ela ficou abismada com as cores. Depois, ela confessou que era moradora de Heliópolis, mas que tinha vergonha de dizer isso. Porém, quando viu o meu trabalho na comunidade, disse que teria orgulho em dizer que é moradora de lá.

É esse o sentimento que ocorre hoje na favela de Heliópolis, essa auto-estima valorizada. Percebi que o colorido é uma parte importante do processo de inclusão social.

Ruy Pinho – É muito interessante notar o entusiasmo da população envolvida na esperança de que esse processo de regularização fundiária ocorra. Não costumamos ver a regularização, apenas acreditamos nela. Essa inclusão visual é mais forte do que imaginamos.

Ruy Ohtake
– Tenho participado de muitas reuniões com a comunidade. A expectativa que eles têm em relação à regularização fundiária é enorme. Nós que moramos do lado de cá da cidade, não percebemos essa importância, somente quando vemos alguns exemplos, como a compra, quando podemos comprovar o endereço da moradia etc. É o caso daquelas pessoas, a gente percebe que se trata de um fator fundamental para a inclusão social e para o reconhecimento dos moradores como cidadãos.

É muito importante apressar o início desse processo de regularização a partir das comunidades antigas das favelas.

Ruy Pinho – Como foi possível viabilizar esse projeto tão bonito na comunidade de Heliópolis?

Ruy Ohtake
– A partir do convite-desafio feito pelas lideranças, percebi que todo o trabalho deveria ser feito com o entusiasmo da comunidade e voluntariamente. Não há condições de remuneração, tendo em vista a situação atual do país, e acima de tudo, a situação dos moradores da comunidade.

Nesse projeto de colorir as fachadas contamos com a colaboração da Suvinil, que doou todas as tintas. São centenas de galões de tintas. Escolhemos oito pintores, moradores da própria favela, e de preferência os que estavam desempregados.

A Suvinil deu um curso de capacitação para igualar o nível dos pintores, que recebem R$ 45,00 por dia. Juntamos três casas, que estão em reforma, para se fazer a biblioteca de Heliópolis. Para a biblioteca, estamos contando com o patrocínio do Banco Panamericano. A ABCP, Associação Brasileira de Cimento Portland, vai nos fornecer todo o material para o desenvolvimento do Centro Cultural. Para a construção do centro cultural, quem nos ajuda é a Construtora Matec, e assim por diante. Ou seja, a co-participação de empresas que têm essa sensibilidade social é muito importante para que tudo isso consiga se concretizar.

Ruy Pinho – A pretensão do projeto é atingir toda a comunidade?

Ruy Ohtake
– Sim. O nome do projeto é Identidade Cultural de Heliópolis, e vários itens fazem parte desse projeto: o colorido da fachada, a biblioteca, o centro cultural, a galeria de exposições, e já está em funcionamento o ateliê de arte e educação. Esse ateliê é voltado para adolescentes entre 15 e 20 anos, idade que, na favela de Heliópolis, o adolescente não trabalha, não tem dinheiro e acaba se envolvendo com o crime, com as drogas. Por isso, levamos também a educação, que sozinha não basta. É preciso que haja alguma profissionalização dessa arte educação. Até o final do ano, montaremos uma feirinha nos moldes das feiras que ocorrem, por exemplo, no Masp, na praça Benedito Calixto, etc., claro que numa escala bem menor. 

Ruy Pinho – Qual é o papel do poder público nesse projeto?

Ruy Ohtake
– O poder público está apoiando bastante. Está fazendo todo o trabalho de infra-estrutura, saneamento, rede de água e esgoto. Por exemplo, para a construção do centro cultural foi necessário fazer uma ligação melhor com o miolo de Heliópolis. O poder público está nos auxiliando na construção de uma pequena ruela para que se facilite o acesso das pessoas. Esse apoio institucional é muito importante.

Ruy Pinho – A inclusão social deveria se dar também pelos símbolos dos espaços onde se mora. Ou seja, não faz sentido que uma comunidade dessas tenha uma ruela chamada Kennedy. O que o senhor acha disso?

Ruy Ohtake
– É muito importante. No caso de Heliópolis, 80% da população vem do Nordeste e algumas manifestações, como quermesses e outras comemorações vindas do Nordeste, poderão ser incorporadas nesse centro cultural.

A festa mais importante no Nordeste é a festa junina. No mês de junho, a movimentação de Heliópolis para a festa junina foi impressionante. E uma das ruas pintadas foi aonde se comemorou a festa junina, com quermesses, barracas e bailes.

Ruy Pinho – Tomara que os cartórios possam fazer parte desse processo de inclusão de Heliópolis, especialmente contribuindo para a regularização fundiária do espaço público e privado da comunidade.



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